28 de março de 2020

Do fim

Chegamos ao fim
E ainda aqui estás
Como um resto
Do tempo preso à memória
Como a luz etérea que te traz
Enlaçada
Abraçada
É o fim meu amor
São os dias tristes
Do derradeiro final
O suspiro que mata
Um grito silenciosamente fatal
A voz que falta
Chega o fim meu amor
E tu ainda aqui
Como um poema na despedida
Um instante de loucura
Enlouquecendo por mais vida
Por mais de si

Luar

Se vieres à noite
Traz o sossego do luar contigo
Aperta-o no abraço que dermos
Deixa que se intrometa entre nós
Como o sol entre o trigo
Como o amor quando o fizermos
Ou um poema quando o dissermos
O luar traz consigo o sossego
A serena vontade de paz
Que faz a noite imensa
Quando a noite faz o que faz
Do amante faz o seu ego
Que em ti se adensa
E ao poeta o luar que jaz

Reflexo de sombra

O amor na mão
Desapertando o desgosto
A cálida brancura no teu rosto
Enquanto se faz tarde no entardecer
A sombra chinesa do candeeiro
A luz pronta a morrer
Que entretanto chega a noite em gritos
Nessa figura do desespero
A solidão
A parede alva onde se criam os mitos
O amor desgosto na tua mão
E o desapego do lado oposto

Beja

Era no teu peito
Que morriamos todos os dias
No cansaço infantil da esperança
Era no teu peito
Que corriamos ao centro da cidade
Que nos levava como crianças
Eram em ti
As longas noites estivais
As promessas que te falhamos
As andorinhas
Barulhentas nos beirais
As ruas estreitas e altas
No bradar dos nossos pais

Um segundo

Um segundo
Outro segundo
O tempo todo
Numa roda de ponteiros
Um poema à espera que regresses
A luz ténue rogando preces
Que sem ti
O tempo foge do mundo

A espera

Espero que a noite morra
Até que no alvorecer
O teu olhar me percorra
E as tuas mãos me apertem
Por querer
Espero pelo tempo que passa
Até que os teus lábios levem os meus
E se humedeçam por graça
Espreito numa lasca de luz
Enquanto rodeias o teu corpo
Sabendo que me seduz
Tacteio o negro da escuridão
Onde te procuro
A madrugada inteira
Na palma da mão
Onde te seguro

O que é teu

É teu o silêncio
é tua a escuridão
É de ti o vazio
Que desce a rua num rodopio
É  tao tua a inquietação
A palavra secreta
Que ninguém quer saber
A mordaça no plaino verde
Que te quer a morrer
É teu o pecado
O lugar em desassossego
A paisagem que passa ao lado
A tua figura
A tremer de medo
É teu o outono derradeiro
Onde se acinzentam os pensamentos
E morre a esperança
É tudo teu
Até ao ponto da incerteza
Até à brancura
Que carrega a leveza
É tambeu teu
O largo de lamentos
É por ti
Que vem o silvar dos sonhos
É tudo teu
Quando nada te dão

Cidade

Em quase tudo o teu silêncio
O vazio em toda a parte
A noite como o dia
Em desespero

23 de março de 2020

ESTA PRIMAVERA

Parece que esta Primavera
é feita de fogo
Os beijos mudos e as mãos em brasa
A vida resguardada na espera
ansiosa pelo desafogo
A natureza fechada em casa
com os campos ao longe
e as praças em multidões de sossego
As árvores fingindo ser de bronze
e o sofrimento querendo aconchego
A chama viva no anoitecer
O silêncio exasperante
na infinita espera
pela incerteza do saber
Parece que esta Primavera
é feita de fogo
E o mundo fica quieto
e inquietante
à sua espera

17 de agosto de 2013

POEMA NOTURNO AO MEU AMOR

ao sul a noite alonga-se como a planície. o silêncio aperta ainda mais a escuridão onde repousam as papoilas. e tu, triste no rosto e sofrida no coração, ignoras aquilo que a natureza já sabe: há sempre o alvorecer, um novo dia, um recomeço que se repete e faz esquecer as mágoas noturnas. também eu sei disso agora. quando me apercebo dos diferentes tons que encantam o céu estrelado. como me encanta desejar-te eternamente. e aguardo que amanheça. que tudo se reconstrua. e que ergas novamente o teu sorriso. que o teu corpo siga o exemplo das papoilas. ainda que a noite não seja sempre escuridão desejo-te o dia inteiro, claro e fresco: a manhã, a tarde e o crepúsculo. um outro crepúsculo. a cair sobre a planície como se fosse um manto de paz.