23 de outubro de 2008

CHÁ E TORRADAS

Tenho-me fixado nos dias. Os de ontem e os de hoje. Porque quero os de amanhã diferentes e melhores. Nada mais desejo que outro comum mortal não queira também: melhorar a cada dia, ser melhor em cada fase da vida. E nessa fase, e nesses dias do amanhã, quero ser melhor, maior e capaz.

Fixo-me nos dias, no tempo que passa ligeiro enquanto as folhas se desprendem das árvores e as desnudam – sem que demos conta – nos pássaros que esvoaçam na noite fria intimidados pelo voo predador da coruja. Nas horas que encurtam os dias. Nas horas que prolongam o frio negro da noite.

Na madrugada passada a lua sorriu. De soslaio por entre estrelas e véus de neblina. E também tenho fixado as noites no meu olhar, como se fossem um alvo e os meus desejos setas afiadas. Gosto da noite e já sentia saudades do seu frio. Daquele frio que nos acomoda em casa, abrigados nos braços do afecto.

Os dias dão-me que pensar. Não me desprendo do passado com facilidade e cada vez recorro mais às memórias, como trunfos, como armas de defesa. E das memórias recolho os ensinamentos que me obrigam a reflectir sobre as coisas. Travam-me impulsos e caprichos. Prendem-me à terra quando ouso querer voar…

Muitas vezes me acomodei no silêncio das coisas. Preferi fingir-me de morto como se fosse um animal a embustear os seus predadores. E noutras evoquei o direito a falar enquanto alguns desejaram emudecer-me. Numas vezes acertei e noutras precipitei-me. Em outras ainda não sei o resultado. E talvez não venha a saber. Ou não queira ter conhecimento. Escuto os silêncios. Especulo sobre eles. Por defeito. Por vicio de forma. Dos silêncios tenho uma noção de inteligência, mas nunca comparável ás palavras; aos sons perceptíveis; às frases com sentido, profundas e racionais.

Ainda existem os que julgam saber mais de mim do que eu. Os que ousam desafiar-me como se fosse um adversário de mim próprio. Enganos e decepções de dias cinzentos. Dias crus e feridos que fazem a vida de outros. Por mim, vá que não vá, bastam os dias que ocupo fixando-me nos dias e nas noites. Nas figuras que crescem, nos olhares que se transformam, nos cuidados que pesam os corpos de cada ser humano. Bastaria preocupação pelo bem-estar dos outros e compreenderíamos muito mais da vida do que dela levaremos quando o mais certo dia chegar.

E ainda há aqueles que pensam como eu penso porque querem chegar a mim. Por norma são comodistas. Acomodam-se nas opiniões dos outros, repetem o sim como se fosse uma condição. Mais enganos e decepções. Dias feridos e crus na vida de outros. Prefiro as manhas frescas e azuis que rasgam o Inverno, ou as trovoadas severas que inundam as tardes estivais. Chegaria julgarmo-nos diferentes uns dos outros para criar laços e fortificá-los com a robustez de montanhas.

Mas ainda há os que não querem saber o que julgo. Os que decidem ignorar-me como se fosse apenas uma partícula de ar incapaz de criar uma ténue brisa. Esses são os toscos. Reprimem o medo das mentes livres fingindo a sua inexistência. E um dia quando se lhes impuser falar, ou pensar, ou construir, confrontar-se-ão com a aridez. Um vazio de silêncios. Se soubessem que existo oferecia-lhes chá e torradas. Para as conversas em roda.

CONTINUA… brevemente.

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