Adormeci abraçado às tuas palavras, a esse abraço apertado e quente que desejo com saudade. E esta manhã acordei com um sorriso nos lábios, com a maior vontade de viver que algum dia julguei poder ter. E tudo por um abraço distante que imaginei enquanto adormecia. A manhã, e repito-me, está azul como a tarde de ontem onde me invadiste os pensamentos. Mas hoje não posso ir ver a cidade branca de longe. Não vou poder acomodar-me no silêncio inquieto da aldeia plana de casas rasas e brancas com barras amarelas e azuis. Hoje não. Hoje a vida conduziu-me aos lugares da minha infancia: ao coração alto da cidade branca e é daqui que te falo, melhor: que te escrevo.
Estou sentado num banco de pedra mármore gasta pelos dias do passado. Ainda me lembro de aqui me sentar e as minhas pernas não chegarem ao chão. Chegam à minha memória auditiva os sons traquinas e agudos das brincadeiras neste largo, dos jogos de futebol sem fim e com resultados invejáveis de incontável valor. Lembro-me da sombra gigante destes plátanos altos, dos imensos troncos que trepavamos sem razão lógica. Lembro-me das covas que faziamos nos canteiros para jogar ao berlinde. E acolá, mais ao fundo nas traseiras do muro alto e escondido pelos arbustos, era onde jogavamos ao verdade ou consequência ou ao bate-pé.
E aqui estou agora: sentado sob os plátanos altos e fortes que estendem a sombra até ao outro lado da rua. Talvez seja por causa destes que gosto tanto de plátanos. Bem vistas as coisas cresci aqui até fazer dezoito anos. Fazem parte de mim, não te parece?
Há rostos que identifico com facilidade, estão mais cansados e rugosos e os corpos mais pesados e lentos. Mas as imagens estão cá, tal qual como antigamente. Entristece-me a morte lenta destas ruas. A repetição das conversas e dos encontros como se fossem ecos que passam de um dia para o outro. Entristece-me pensar que a cada rosto que aqui se apaga morre lenta a cidade onde nasci.
Um destes dias trago-te aqui para que vejas com os teus olhos o que os meus guardam. Para que sintas com o teu coração o que o meu carrega. Para que guardes na memória o que na minha vive. Um destes dias abraçar-nos-emos sob as altas e longas copas destes plátanos e assistiremos sentados num destes bancos ao entardecer. Daqui não vemos o ocaso mas ouvimos os pássaros a recolherem-se nas árvores e nos beirais e escutaremos o inicio do silêncio quando chega a noite...
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