29 de outubro de 2007

Um pensamento na tarde

O sol pairava no céu azul. Avancei sem medo pelo asfalto estreito que rasga os campos em direcção a sudeste e que se alinha recto entre vinhas e olivais. Avancei sem o receio de olhar para trás. Fi-lo pelo espelho retrovisor mais do que uma vez, e dessas vezes apercebi-me do sorriso no meu olhar. Olhei para o lado, para o banco à minha direita onde era suposto estares, e no teu lugar apenas um espaço vazio de ar entre mim e uma planície que corria ao meu lado em tons castanhos negros, da cor do barro. O sol pairava no céu azul. Sem núvens. Completamente azul celeste. Limpo e imaculado. E eu avancei... Avancei pelo asfalto desafiando a velocidade, descaí o braço para fora da janela para que o vento lhe desse vida.
Avancei até à aldeia plana de casas rasas e brancas com barras amarelas e azuis - engraçado: amarelas como o sol e azuis como o céu. Avancei pelas ruas empedradas e desacertadas, vazias de vida, sem gentes, sem olhares, sem corpos a aguentar o tempo nos bancos sob as laranjeiras. Esta aldeia somos nós, pensei reflectindo sobre a vida que levamos ocupada noutros lugares. E enquanto nos ocupamos com outras coisas deixamos os nossos interesses para trás, abandonados no vazio de uma tarde azul de outono.
Ao longe avisto a cidade branca com uma torre ao centro. Daqui parece-me a ilha que tantas vezes descrevo entre o mar de searas verdes. E daqui parece-me de bem consigo mesma, em repouso de tantos séculos de lutas e de conquistas, adormecida na passividade do presente. Leio um jornal amarelecido que trago no carro. As notícias são de outro tempo mas ainda se repetem na comodidade do vagar em resolver. Faz sentido. O vagar é para usar e abusar. O tempo comanda-nos com a sabedoria do esperar. Nascemos assim, somos assim, e seremos sempre assim. E a razão será talvez o que nos contorna o olhar, estas planícies longas que se prolongam no tempo vagaroso.
Nem um ruído interrompe o meu pensamento. Nem um ruído quebra a paz silenciosa da aldeia plana com casas rasas e brancas. Fumo um e outro cigarro só para escutar o som do isqueiro a acender. Pontapeio umas pedras pequenas junto à estrada, só para disfarçar a inquieta mudez. Desafio a loucura em pensamentos longinquos como tu. Em ideias bassas e desorganizadas que me conduzem num esvoaçar até ao reboliço da cidade grande de ruas largas e de luz intensa espelhada do rio. Lá, nessa cidade onde um dia fui o mais feliz de todos os homens, jazem as memórias já desfeitas em pó.
Aproveito a serenidade da sombra da laranjeira para esboçar um poema. Quero falar de ti, das horas que nos separam e se transformaram em dias, que nos trazem presas por um fio de seda. As palavras surgem num olhar que humedece, numa revolta que invade o estomago, numa arritmia que não controlo. Vêm de ti as palavras que desejo para te escrever um poema. Vêm de ti os sentimentos que me estremece a razão. Vêm de ti os passos que quero percorrer até te poder abraçar novamente.
Dou conta do inevitável: Amo-te. Mesmo aqui, no silêncio profundo de uma aldeia plana de casas rasas e brancas com barras amarelas e azuis - amarelas como o sol e azuis como o céu!

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