30 de julho de 2007

Sobre Mariana Alcoforado

Sou um admirador da história e das cartas de Soror Mariana Alcoforado. Contudo não sou um especialista ou mais esclarecido do que no propósito de as sentir como leitor. Apesar de muitas teorias e interpretações que as cartas e a sua origem suscitem hoje como no passado, importa-me apenas o seu conteúdo e os contextos temporal e social que as valorizam.

Para mim, Soror Mariana Alcoforado desnudou a sua alma e o seu coração; por amor e pelo prazer de amar permitiu que as palavras seguissem o sentido do seu destinatário. Exposta pelo sentimento nobre do amor, resignou-se ao sofrimento e conviveu com ele na inquietude em que transformou a sua vida. O prazer, o de amar quem uma freira não deveria amar, não a impediu de deixar crescer o sentimento reproduzindo-o no papel de carta com excepcional pureza.

Ousei, e repito ousei, tentar seguir o trilho das suas palavras e ficcionando os seus sentimentos – que de outra maneira não o poderia fazer com honestidade – escrever em forma de poema (?) sobre frases que seleccionei de cada uma das cartas (tradução de Eugénio de Andrade, in Cartas Portuguesas, da Assírio e Alvim. 1998).

Perdoem o abuso!

Jorge Barnabé

“Adeus. Ama-me sempre, e faz-me sofrer mais ainda.”
Primeira carta

Em sobressalto desconheço-me
Tanto te quero que ao medo de te perder
Prefiro a dor violenta de não te ter
Entre mil palavras do teu silêncio
Escolho um adeus que me convença
Das promessas que entretanto arruinaste
Digo adeus querendo dizer que te desejo
Ou se quiseres infligir dor
Prefiro-a a aceitar que não existe amor.


“… E passo o tempo a olhar o teu retrato, que amo mil vezes mais que à minha vida.”
Segunda carta

Em meu redor tudo lembra a tua presença
Tudo explica o palpitar do meu coração
Repito o teu nome no silêncio forçado nos claustros
Para que as paredes altas te reconheçam
E se desmoronem quando decidires o regresso
E à brancura triste da minha cela
Apresento o teu retrato que colori com o amarelo dos girassóis
E o vermelho vivo das papoilas acordadas na planície
Enquanto te amo com o desvario de um amor maior que a própria vida.


“Não sei o que sou, nem o que faço, nem o que quero; estou despedaçada por mil sentimentos contrários. Pode imaginar-se estado mais deplorável?”
Terceira carta

Amedronta-me ver o meu rosto no espelho de água
Que enche o chão irregular dos claustros
Nem sei se sou essa figura miserável que o amor venceu
Ou se aquilo em que me transformei é sombra da mágoa
Os meus trejeitos são apertados e incertos como o coração
Que me recruta entre estes muros que me separam do céu
Tanto desejo como temo amar-te com loucura
E cair nos teus braços para sempre ou fugir de ti
Simplesmente fugir esquecendo que não sei o que sou sem ti


“Bem sei que te amo perdidamente; no entanto, não lamento a violência do meu coração; habituei-me à sua tirania, e já não poderia viver sem este prazer que vou descobrindo: amar-te entre tanta mágoa.”
Quarta carta

Se o meu coração deseja comandar-me a vida
O meu corpo rende-se à sua prepotência
Proponho-lhe apenas que guarde o prazer de ti
De te amar consumida pela dor de não te ter
Que ainda assim me afiança não te esquecer
E à sua fogosidade me resigno
O que pode parecer desgosto não o é
Tão só amor que vivo na falta de ti

“De si nada mais quero. Sou uma doida, passo o tempo a dizer a mesma coisa. É preciso deixá-lo e não pensar mais em si. Creio mesmo que não voltarei a escrever-lhe. Que obrigação tenho eu de lhe dar conta dos meus sentimentos?”
Quinta carta

Despeço-me com derradeiras palavras que me incendeiam o coração
Este que sofreu a suplicia da sua ignorância
Que se definhou na loucura da ausência
E na ferida do silêncio a que me destinou
Busco a serenidade no meu olhar para que possa esquecer de vez
A infidelidade das suas promessas que julguei puras
Como o ar macio que me toca na manhã de primavera
Despeço-me sim digo-lhe adeus por fim
Que já não sinto dever de lhe dar o meu amor

2 comentários:

  1. Devo dizer-lhe que este seu delicioso “atrevimento” me deixa imensamente orgulhosa de si.

    Para que dúvidas não restem, recordo o que considero ser, uma das frases mais sábias de William Shakespeare.

    “Atrever-me-ei a tudo o que possa fazer um homem.
    Quem se atreve a mais, é insensato.”

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  2. agora sim, li tudo
    com atenção.
    muito bonito... muito.. como dizer?!?!? real?!?!, talvez...
    a poesia é isso mesmo, não?!
    belo projecto! Coragem, ãh?!
    beijo grande

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