24 de junho de 2008

Quando regressas

Gosto do teu regresso. Adoro quando vens na ponta fresca do vento e me abraças ao longe. Quando as tuas mãos suaves me percorrem o corpo gasto da vida. Gosto quando caminhas na direcção do meu olhar e me derretes a boca com um beijo. Gosto do teu regresso. Adoro o regresso da luz aos teus olhos. Das tardes nuas em que nos queremos de amor.

E quando regressas o meu corpo vence a saudade. E o meu coração voa no sentido das estrelas. E quando regressas regresso também eu à vida…

11 de junho de 2008

Aguarda-se a esperança

As ramas densas das árvores encostaram-se ao calor de um verão que tardava. Nas ruas procuram-se as sombras das casas brancas que rodam no sentido dos ponteiros do relógio. Aguarda-se a brisa do fim de tarde, como se aguarda a esperança de um amanhã melhor. Nos rostos vincam-se as rugas fundas da amargura, dos dias e das noites que se repetem de descrença. A vida pára na expectativa de um impulso. A terra endurece em grossos torrões de barro que se confundem com pedras. As mãos acompanham os corpos no sentido vertical, arrastando os ombros. Perderam-se os brilhos nos olhares. Gastaram-se os silêncios das palavras. Resigna-se à vontade de viver outro dia igual. Aguardam a esperança. Aguardam em constante desatino.

4 de junho de 2008

Declaração desesperada

Farei do meu corpo o som de cada palavra.Matarei nos meus passos cada frase feita de imperfeitas metáforas, e ao olhar para ti renascerei do pó denso que cobre as lombadas dos livros. Gritarei até à mais distante constelação para que se escute o som da esperança.E as mãos, transformá-las-ei em cinza para te desenhar nas impolutas partículas de ar. Acordarei no vermelho matinal das papoilas que profanam as planícies. Escalarei cerros e montanhas com a força do desejo de te ter para sempre.

Acontece o tempo fora de tempo

Uma noite ainda jovem abraçava-os com o som das folhagens densas das árvores que se alinhavam na estreita rua. No céu a cor azul de um luar como pano de fundo onde brilhavam estrelas… muitas estrelas. Do lado de lá da cidade imaginava-se o ruído do silêncio que se confunde com o sono das searas. Se um rio enlaçasse a cidade sentir-se-ia no ar o aroma fresco da água numa noite de verão. E se nas margens dos rios as pedras se amontoassem umas sobre as outras, abrir-se-iam caminhos para o reencontro. E no reencontro surgiriam conversas e apertos de mão.

Sentado numa cadeira gasta de verga acomodou-se no sentido da noite, enrolando-se numa brisa pouco fresca que lhe tocava o tronco nu. Numa mão um copo meio vazio e noutra um cigarro que ardia com vontade própria. Os pássaros aninhavam-se nas copas das árvores onde adormeciam balanceados pelo vento. A noite crescia alucinada. A cada instante o silêncio matava as ruas secando-as de gente. Algumas janelas abertas acolhiam o vento fresco na esperança de um arrefecimento das casas. O dia já se notara longo e quente.

Acontece o tempo fora de tempo. Uma mão leve e suave percorria-lhe o tronco, começando pelos ombros e depois o peito. Acontece o tempo fora de tempo. Um beijo tocava-lhe os lábios e depois o tronco. Acontece o tempo fora do tempo. Um grito de prazer seguiu-se ao arfar apaixonado do desejo. Acontece o tempo fora de tempo. Dois corpos dão-se um ao outro como desespero. Um e outro cruzam-se no silêncio da cidade. Acontece o tempo fora de tempo. E nesta cidade nada mais acontece.