27 de dezembro de 2010

Fingir

Não aguardemos mais pelo dia que tarda a realizar o nosso encontro. Ignoremos as palavras que acentuam o silêncio. Procuremos num e noutro o esplendor da poesia. Façamos de conta, fingindo, que ainda nos queremos um ao outro e que acreditamos nos compromissos. Façamos do tempo a nossa casa: ampla e sossegada, contornada de flores e de aromas. Vamos fingir que somos felizes, que nos damos um ao outro como as árvores se dão no chão fértil. Será tão fácil fantasiar que os nossos corpos se atraem: o meu peito nos teus seios, as tuas mãos apertando-me, os lábios a consumirem-se com paixão. E beijemo-nos. Que nos beijos tudo recomeçará.  

24 de dezembro de 2010

Amanhã (Vaticinando)

seremos outra vez ar e terra, de novo água e fogo. voltaremos à esperança como quem regressa a casa depois do desacerto dos dias sem graça. começaremos um novo dia com os olhares de sempre, reencontraremos os sorrisos e as mãos que nos prolongam. ficaremos em silencio a olhar o crepúsculo que cai sobre o mar. e cantaremos sob a copa da árvore que nos guarda as promessas.

20 de dezembro de 2010

Dia de todos os Dias

há dias e dias. dias melhores e piores. dias muito bons, extasiados. dias menos bons, perturbadores. e há os dias como o de hoje, em que fico sem palavras. sem reacção. sem forma. sem conteúdo. talvez amanhã nasça outro dia. pelo menos diferente.

18 de dezembro de 2010

JUÍZO

julgavamo-nos do tamanho do mundo ocupando todos os lugares, mesmo aqueles que os homens comuns não ocupam, julgavamo-nos desconhecendo que não somos nada que somos apenas ridiculos na pretensão de nos julgarmos mais do que o tempo nos concede.

17 de dezembro de 2010

recupero o fôlego só por saber que ainda aí estás... embora o silêncio, o mundo não tem outro sentido.

11 de dezembro de 2010

Pelo Contrário

No caminho de casa uma estrada a direito ladeada de plátanos com folhagem dourada guia-nos no silêncio do amor.

porque o amor também tem silêncio e nem sempre as palavras alimentam a paixão. pelo contrário... 

por vezes as palavras têm o tom da dor, são ditas com mágoa.

8 de novembro de 2010

POEMA E DESENCONTRO

Nos teus lábios sinto o desacerto entre nós, 
como se fosse um beijo 
feito do silêncio que nos arreda. 
Já não fechas os olhos, nem me acaricias a pele. 
Transformamos os impulsos num costume, 
sem acasos. 
Consumimo-nos um ao outro 
sem perceber que o tempo nos consome. 
Já não te sentas ao meu lado, 
nem dizes o meu nome. 
Perdemo-nos no sossego da planície, 
cada um para o seu lado, 
com uma estrada ao meio 
e beijos apagados a fingir que são beijos. 
E nos lugares desencontramo-nos 
com os olhares sumidos, 
perdemos os lugares e os crepúsculos, 
perdemo-nos um ao outro 
numa mágoa taciturna.

3 de novembro de 2010

às vezes penso em ti. sim, de quando em vez, muito espaçadamente. não é coisa boa nem coisa má. são pensamentos soltos e bassos. porque me fizeste acreditar que nem lembrar faz sentido. para além de me convenceres que nem amor existe. e quase que conseguiste. mas penso em ti, como dizia, espaçadamente. uma imagem aqui, outra preocupação acolá e muita curiosidade. depois o pensamento vai-se ainda mais ligeiro. passageiro, é como se diz. e quando percorro as ruas abertas e largas já não olho ao topo dos edificios na esperança de te rever. nem confundo as árvores da cidade com as do campo. as ruas são todas iguais desde que me levem ao centro do largo. lembras-te, do largo, o centro do mundo, que fantasiamos uma ou outra vez? agora é outro largo e mais central, mais, como dizer, mais largo, mais pessoal e infinito como a esperança. e as árvores são as árvores, as do campo, claro. perfumadas e coloridas, desalinhadas. porque a natureza não alinha. e são resistentes, sabes?

POEMA EGOCÊNTRICO

já não me inquietam as palavras nem os gestos
nem os outros errantes que me afrontam por despeito
nada voltará a ser como dantes nem palavras nem gestos
nem sequer o meu corpo refeito das ausências e dos desamores
nem a desesperança me amedronta ou a esperança me deslumbra
que agora sou cinzento às cores coragem sem medo da afronta
luz branca-suave entre a penumbra

12 de outubro de 2010

Tarde de Espera

Naquela tarde eu era como um cão vagabundo que te esperava sem que soubesses. Percorri com o olhar todas as ondas vindas do mar na esperança que uma te trouxesse. O crepúsculo de fogo que caía no horizonte, apertando-o cada vez mais, como o meu coração, convenceu-me da tua não vinda; do teu silêncio eterno que se prolonga e se agrava nos momentos em que te espero, sem que saibas que te espero. A memória que ainda tenho de ti já não chega, aos poucos desaparece, como a minha sombra na areia. A areia fica fria, o meu olhar lasso e triste. Porque não vens, mesmo desconhecendo que te espero uma última vez?

6 de outubro de 2010

CARTA ANTECIPADA À MINHA FILHA

Maria Carolina,
Seguro-te nos braços ainda receoso da tua fragilidade. Inseguro com as ambiguidades da vida, de um mundo inteiro que se questiona. Os teus olhos limpos e longos esgotam-me as palavras. Não como se fossem de algo de mau, mas sim sendo das coisas mais deslumbrantes que conheci. O teu sorriso persistente percorre-me a vida inteira, faz-me procurar as memórias felizes da minha existência. Como se contigo outras partes de mim renascessem. Fazes-me sentir tranquilo: como um rio que se prolonga em harmonia com tudo o resto. E tantas vezes, mesmo à distância de um dia absoluto, fecho os olhos e desejo ter-te nos meus braços por breves instantes. E noutras agarro-me à ambição de te indicar o melhor caminho, de te apontar o horizonte como um lugar idílico. Enquanto adormeces no ruído das nossas vidas imagino-te a correr para os meus braços, a questionar, a idealizar, a teimar, a refilar. E desejo tanto que tenhas essa força: que te ergas nas convicções, que eleves o sentido mais verdadeiro da tua alma; e no fundo é só isso que quero: que sejas feliz, que te preenchas, que te ocupes da vida como se fosses o centro do universo, que a valorizes como o bem mais precioso de todos, que reconheças apenas a tua existência...

6 de agosto de 2010

tarde de verão

apontamos o olhar numa direcção distante, como se fosse um laço que se atira ao destino. e no regresso o reflexo traz-nos a vontade de algo mais. de um novo horizonte, de uma nova utopia. convencemos o olhar, enganamo-nos, tal como o amor engana. e damos lugar ao sonho. apenas ao sonho...

8 de julho de 2010

Inquietude

inquietam-me as árvores
paradas na planície
que tarda em anoitecer
e as aves que voam em circulos
no transparente céu azul
inquietam-me as árvores alinhadas
fingindo que a natureza é geométrica
e o silêncio do entardecer
as ruas resignadas acomodadas
fartas de viver
inquietam-me as mãos vazias
ocas de um corpo para percorrer
desde esta janela tudo me inquieta
tudo
como se o tempo tivesse parado
num nó de desesperança

30 de março de 2010

Elo matinal

contigo as manhãs nascem claras sem uma única núvem no céu sempre azul, como o teu olhar. o meu corpo acorda no aperto dos teus abraços que fazem valer os dias numa claridade enebriante. segues-me com o olhar, sorrindo, a pedir que não vá. a pedir que não parta.
amanhã esperarei por ti, de novo, quando a aurora romper e o teu corpo abraçar o meu. e numa palavras resumirás tudo...