27 de setembro de 2007

FESTIVAL DO AMOR

O Festival do Amor regressa pela segunda vez. Agrada-me a ideia. Elogio o conceito. Admiro a pretensão de inovar.
Este é talvez - e aqui o talvez é redondo - o único acontecimento que evoca a figura de Mariana Alcoforado. Pode, para os mais distraidos ou para os arautos da desgraça, passar desapercebida a figura de Mariana, mas não deixa de ser relevante que uma das poucas figuras históricas e com interesse cultural mundialmente conhecida e natural de Beja tenha tão insignificante importância aos olhos de quem tem a função de cuidar destas coisas. Não é possível continuar a desperdiçar tal património.
Mas ainda bem que da origem privada nasce o projecto e o arrojo para não deixar cair no esquecimento a figura de Mariana Alcoforado. E com base nesta figura adapta-se o Amor aos tempos de hoje. Os temas podem ser discutíveis. Mas a ideia e o esforço devem ser elogiados. Sem reservas.
Esta tarde caminhava pela rua e assisti à conversa entre duas raparigas adolescentes. Enquanto uma perguntava o que era o Festival do Amor, a outra respondeu-lhe explicando-lhe que se inspirava em Mariana Alcoforado... E pareceu a explicação no caminho certo. Se um sucesso se atribui à organização deste evento é sem dúvida o de nos trazer às conversas e ao esclarecimento dos mais jovens quem foi Mariana Alcoforado.
E para que se conste o Festival do Amor tem o cuidado - penso que intencional - de inundar o centro da cidade de actividade. Noutra imagem: pessoas.
Mas como é do senso comum é mais fácil elogiar o que está para lá da nossa porta.

o amor sai à rua

levanta-se no ar nocturno uma brisa leve
que passeia pelas ruas escuras da cidade
o amor vai sair à rua e quem quiser que o leve
que esta brisa é ar fresco anunciando liberdade

25 de setembro de 2007

Passo a passo

passo a passo percorro um caminho irregular de pedras soltas.
passo a passo venço o tempo a caminhar.

Desabafo sobre a distância

Perturba-me a distância. Os espaços vazios entre os corpos. Os olhares tristes e frios que se prolongam como espadas. Confrontado com o distante perco-me. Renasce em mim o pensamento amargo dos dias mais amargos. Dou ao meu olhar o tom basso da tristeza. Apago dos meus lábios a vontade de sorrir. Deixo as mãos descair acompanhando um corpo resignado e frágil. Fraco.
Regressei ao passado, aos dias negros e gelados. Há conversas que se repetem. Há gestos semelhantes. Comportamentos idênticos que me assustam. Que me fazem estremecer. E no regresso ao passado, que as circunstâncias obrigam, sinto-me a desfalecer. A fraquejar. A vaguear sem rumo. Temo reviver o que apaguei da memória e do coração. Temo o regresso da amargura. Dolorosa e fatal.
Perturba-me a distância. O espaço de ar que nos separa da vontade de estar.

24 de setembro de 2007

À deriva

Um barco à deriva balança no mar alto sem vento que lhe sopre as velas, sem corrente que o faça reencontrar o rumo. Um barco à deriva no mar alto é tão insignificante como uma gota de água no oceano. É como uma ilha a vaguear numa imensidão de espaço asfixiante.

22 de setembro de 2007

Ocupação

Apresento as minhas desculpas aos visitantes de O Outro Crepúsculo por nos últimos dias não estar a publicar no ritmo normal. A vida ocupa-nos também com questões mais terrenas e isso condiciona o tempo e a inspiração. Brevemente, e passada a atribulação, retomarei a dinâmica.

Obrigado

Edil

Do outro lado escutam-se rumores que vagueiam nas ruas da cidade. E os rumores surgem na carencia dos esclarecimentos. E os homens que são livres, que pensam pelas suas cabeças, reflectem sobre o que se passa e se constrói na surdina dos corredores. E depois nascem os rumores. E deles não se queixem os que ignoraram a capacidade dos outros - daqueles que não são acritícos.
Pela cidade vagueam intenções desprendidas de valores. São como ventos fortes e ásperos que arrasam indiscriminadamente. E neles um vazio de consciência vive com a pretensão de se impôr. E ignorando a inteligência dos outros, ignoram-se a si mesmos.
E seguem os rumores o caminho livre e democrático da discussão. E seguem os rumores o objectivo saudável de questionar.
Há os que se resignam. E Há os que dizem Não!

20 de setembro de 2007

Pelo mundo

pelo mundo viajam as palavras
como se fossem aves migratórias
voam livres e selvagens
na forma de poemas e de histórias

por todo o mundo se escutam as palavras
de uma voz libertina e grave
é a voz de um simples poeta
que abre os braços e voa como se fosse uma ave

19 de setembro de 2007

Serenamente chega a manhã

serenamente chega a manhã e os nossos corpos ainda perdidos
aninham-se num sofá estreito e dourado como o sol nascente.
o cansaço não nos vence, não nos pesam as horas da madrugada;
pelo contrário: são leves como os desejos de outros sentidos.

a luz entra discreta nas frechas da janela virada a nascente
e cresce no solo até nos tocar com a intensidade desejada.
desafiamos o tempo. levamos ao limite um beijo inebriante.
(como se entre nós o limite fizesse sentido)

poderiam ser assim todas as manhãs. poderiam nascer da madrugada
sempre serenas e doces como os abraços em que me enlaças.

Escrever: a génese

Porque escrevo, bem sabes. Só tu sabes.
E pedes-me que continue a escrever, como se pedisses que continuasse a vida toda por diante, como se pedisses que eternizasse o sorriso, como se pedisses que prolongasse o meu corpo até ti, como se pedisses que mantivesse a mão aberta, como se pedisses que não me esquecesse de ti, como se pedisses que seguisse o caminho que bem sabes. E só tu sabes.
E eu... escrevo. E embora nos últimos dias por aqui não escreva, as palavras acompanham-me noutros projectos. Em outras literaturas. E hoje regresso para escrever. Porque pediste. Porque faz sentido que o faça por ti.
Chamas-me poeta. Os teus olhos brilham quando dizes que devo continuar. Acreditas no que dizes. Fazes-me acreditar no que dizes. E eu... escrevo. Porque escrevo, bem sabes. E só tu sabes que é para ti.

17 de setembro de 2007

Nem sempre

nem sempre os nossos olhares se cruzam
nem sempre os sorrisos coincidem
nem sempre as nossas mãos se entrelaçam

basta o sempre em que estamos como um só

Repara nas árvores...

repara nas árvores frondosas
que se vestem no verde clorofila
são como metáforas caprichosas
de figuras moldadas por argila

repara que nelas se seguram folhas
leves e agitadas como a vida
presas nos ramos como nós às escolhas
são árvores verticais mesmo na hora da despedida

14 de setembro de 2007

Namoro

Entrelaçam-se as mãos. Aproximam-se os olhares. Os lábios atraem-se e os corpos chegam-se um ao outro. O beijo, percebe-se, é o resultado óbvio e incontornável. A frescura da noite tempera o calor do desejo. De a ter. De o ter.

O beijo dá-se. Inebriante. Extasiante. Prolongado, como o futuro que os aguarda. Partilham a cumplicidade do momento. O que os une à parte de todos. Como se fossem um só. Como se entre os dois tudo fosse suficiente para existir vida...

A noite continua doce. O luar branco e cheio. A brisa fresca anuncia o fim do verão. As mãos entrelaçadas. Os corpos apertados um no outro. Os sentimentos enlaçados. Do dois nasce uma nova vida. Como uma semente que germina hoje. Como uma árvore que será amanhã.

Namoram!...

12 de setembro de 2007

Poema sobre o que é importante

não importa se o céu passeia despido de estrelas na noite
ou se nas ruas da cidade branca ecoam silêncios de tristeza
não importa se os olhares fogem quando me cruzo com eles
ou se fogem as mãos para longe da minha certeza
já não importa se as árvores não se vergam quando passo
ou se as aves se escondem recusando-me um abraço
tão pouco importa se amanhã o sol aquecerá o meu rosto
ou se os sinos das igrejas se calarão de desgosto
o que pode tudo isto importar se não me importares tu primeiro?

11 de setembro de 2007

É preciso dizer!

É preciso dizer!
É preciso dizer-te as palavras bonitas e sentidas que seguem o teu caminho, que te alegram nas manhãs leves e frescas, que te aconchegam nas tardes chuvosas e frias, que te abraçam nas noites de luar branco.
É preciso dizer!
É preciso dizer-te que as cores nascem no teu olhar, que o sol brilha no teu sorriso, que as tuas mãos seguram a vida delicadamente, que o teu rosto dá forma à lua...
É preciso dizer!

Contra o tempo

vou contra o tempo
navegando sobre as ondas
correndo para o vento áspero
longe das sombras
que se deitam no asfalto
vou contra o tempo
das horas em sobressalto

9 de setembro de 2007

Lugar Comum

Às vezes tudo parece tão normal. Tão rotineiro. Como o hábito dos cumprimentos. Os beijos repetidos da mesma forma, os lugares à mesa sempre definidos, as mesmas desculpas para os assuntos de sempre... às vezes, mesmo quando não nos damos conta tudo se repete numa rotina discreta que gasta os lugares comuns. E tudo piora quando se pretende ser surpreendido. A rotina asfixia a surpresa...
Lentamente vamos pela vida guiados pela rotina.

8 de setembro de 2007

Noite de afectos

imensa a noite leve e fresca de afectos
cobre-nos como um aconchegante manto
juntamos ao desejo as palavras de outros dialectos
abraços beijos mãos e outro tanto

brincam os nossos olhares tão irrequietos
na imensa noite leve e fresca de afectos

6 de setembro de 2007

AMAR-TE

Por vezes torna-se impossível descrever com as palavras o que carregamos dentro de nós. Desconhecemos se existirão palavras para tal, ou tememos que os outros não entendam com rigor e precisão o que sentimos, e como desejamos lhes transmitir o que sentimos.
Hoje percebi, noutro nível do que existe mas não é palpável, o que representa AMAR. Porque amamos alguém com a intensidade com que o vivemos. Hoje percebi porque AMO tanto quem desejo continuar a AMAR. Hoje percebi porque é essa pessoa que AMO e não outra.
Mas temo, com a mágoa da incerteza crua, não ser capaz de lhe dizer em palavras que a AMO!...

5 de setembro de 2007

Certa Noite...

Paramos o carro numa noite de céu estrelado junto ao mar. Deixamo-nos ficar sentados a olhar o mar onde ondulavam raios de lua ao ritmo da maré calma. Demos as mãos sem tirar os olhos do mar de prata que ouviamos derreter-se nos rochedos... Ficamos assim por uns instantes, por todo o tempo que conseguimos fugir ao olhar um do outro.


A brisa suave e fresca convidou-nos a um passeio no curto areal. Percorremo-lo entre abraços e beijos, até que os cheiros intensos dos nossos corpos não resistiram ao desejo de nos darmos um ao outro como se fosse a primeira vez....

Tenho a amargura...

tenho a amargura funda dos dias
os dias que me parecem mais longos
enquanto o tempo me percorre a vida
a amargura leva-me às florestas vazias
onde me confundo
com a húmida caruma que cobre o chão
quando as piso e me afundo

4 de setembro de 2007

Reflexo

ficam-te sempre os restos
as sobras das horas que passas no ruído da solidão
para ti ficam as paredes húmidas e bolorentas
que cobrem o branco gasto por palavras sedentas

dão-te apenas o minimo do que queres
a irrazoável insatisfação
para ti ficam as horas de desespero
que se saciam com um olhar de ilusão

para ti fica tudo
até que o tudo se esgote
na obscuridade da paixão

Espera

Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.


Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

Eugénio de Andrade

3 de setembro de 2007

Poeta sem ti

estás cada vez mais longe
cada vez mais distante
afastas-te como os dias do passado
não te quero como uma breve lembrança
tão pouco te desejo sem ser amado
e em ti reside ainda a esperança
de um amor doce e inacabado
mas sinto-te cada vez mais longe
cada vez mais distante
silenciaste a voz que desejo ouvir
rasuraste as palavras que quero sentir
e afastas-te deixando-me poeta errante
e de que servem agora as palavras?
ou as imagens que captei para te ver?
de que serve um poeta sem ti
vazio oco de não te ter?

Tu

restas-me tu nesta tarde amarga
de palavras desencontradas e vãs
desejo tanto um abraço teu
- daqueles que me erguiam pelas manhãs

2 de setembro de 2007

ESTRANHA FORMA DE VIDA missão cumprida

Como prometido regresso ao romance policial de que vos falei em Julho: ESTRANHA FORMA DE VIDA, de Carlos Ademar, Oficina do Livro. 2007.
A viagem faz-se numa leitura fácil e entendível, apesar de se perceber o conhecimento técnico do autor, que nos segura às páginas com os cheiros desconhecidos (para a maioria) das situações mais crueis da natureza humana e uma narração coerente que nos dá, a todo o instante, a sensação de dominarmos o desenrolar dos acontecimentos... até ao fim, porque no fim o autor brinda-nos com a realidade. Agita-nos a consciência!
Conheceremos a sociedade em que vivemos? Será Portugal o país dos brandos costumes, pacificado? Ou será Portugal, como qualquer outro país, uma sociedade dividida e condicionada por uma realidade paralela que desconhecemos?
Carlos Ademar narra neste romance uma história em torno de um simples homicidio, como muitos outros que lemos quase diariamente nos jornais mais sensacionalistas. Mas indo ao fundo das coisas, numa investigação policial perspicaz mas insuficiente, o autor dá-nos a conhecer um mundo obscuro e sujo que nos condiciona ao nível das instituições de investigação e de justiça, dos meios económicos e políticos. Nem sempre a realidade é o que nos parece estar à frente dos olhos...
Empolgante, intenso, coerente e real. ESTRANHA FORMA DE VIDA leva-nos ao mundo da corrupção e da alta criminalidade em Portugal, muito além de outras obras que enchem prateleiras e esgotam edições mediatizadas. Neste romance existe a percepção da realidade. Uma realidade que não está muito distante de nós!

Longe de tudo

Passei os dias longe das ruas e dos rostos cansados de mim, talvez cansados de mim. Estive onde não me procurariam, na companhia de olhos renovados e de sorrisos leves, que não esforçados. Fui pelas ruas ingremes de uma terra que não é a minha, sentei-me em esplanadas de cores diferentes. Ouvi linguagens distintas, sem sotaque pesado e arrastado. Percorri a noite até à madrugada, até ao primeiro instante de luz solar. Adormeci na página de um romance que me acompanha para onde quer que vá. De que não sou capaz de fugir, mesmo quando corro desesperadamente na direcção oposta.
Senti as suas mãos no meu rosto acariciando-o suavemente. Recebi o seu beijo nos lábios secos. Abriu-me os olhos. E num abraço forte ensinou-me a viver outro dia longe de si...

Perder!?

Por vezes assalta-me o tormento de uma ideia incerta:

Podemos perder tudo o que nos rodeia, muitas dessas coisas conseguiremos recuperá-las de uma ou outra forma; e provavelmente mais tarde não nos interessa recuperar outras. Mas o tempo jamais o recuperamos; o tempo que se gasta na indecisão; o tempo que se perde nos fúteis orgulhos; o tempo que nos fez felizes; o tempo passa e não regressa mais. É irrecuperável...
Lamento o tempo que perdemos.

Uma Voz

és de todos os sorrisos o que me desperta
nas manhãs profundas de solidão incerta
a tua voz emerge no meu mundo
como se de um guião se tratasse
iluminando o denso e negro fundo

1 de setembro de 2007

De nós

De nós parte o sentido fino do amor. De nós para o mundo inteiro. De nós para nós. E no sentido que o amor caminha existe sempre a tua imagem. O teu cheiro, o suave e doce aroma do teu corpo. As tuas mãos serenas. Os teus passos elegantes desfilando nas ruas quentes da minha cidade. E os teus olhos, negros e recortados, de brilho luzente.
De nós parte o sentido exclusivo do amor. Entre nós. Nos instantes densos que partilhamos com beijos frescos e abraços feitos de sentir. De nós saberá o mundo...