29 de outubro de 2008

Primeiras palavras

a noite fria. o engano da espera. o corpo impaciente. a memória inteira de uma vida no cabo do meu olhar. um som agudo. um choro. e nos meus braços senti caber o mundo. um mundo inteiro. um olhar timido. e num instante os nossos corpos se encontraram. enlaçados na vida um do outro. para sempre.

27 de outubro de 2008

CHÁ E TORRADAS: Parte 2

A rotina dos dias cumpre o objectivo de estimular o juízo. Acordo nas manhãs que confundo com as da primavera e deixo entrar a luz limpa em casa. Convido-a a entrar como se convida um amigo e deixo-a percorrer as divisões como se fosse da família. Quero pelas manhãs o abraço da natureza, o meu corpo entregue à vida sadia e a minha alma em harmonia com os dias alegres.

Mantenho o vício mortal do tabaco. Cigarros após cigarros. E o primeiro logo pela manhã enquanto espero que a luz solar entre. São os vícios que nos vergam. Que nos manuseiam como fracas figuras. E no tabaco sou tão fraco como alguns de vós serão noutros defeitos.

Penso nos outros. Penso em vocês que me dizem qualquer coisa, como se o modo me melhorasse o conteúdo. Imagino-me muitas vezes como me desejo: forte e impoluto. E nesses desejos supero-me por vezes, derroto-me noutras tantas. Como Ser falível e que se verga na hipocrisia que detesta. E é no fingimento que nos duplicamos, como um espelho que nos repete a figura.

Os passos aprendi que fazem o caminho. Um de cada vez. E os olhos bem abertos e atentos. E o corpo em posição de ataque. Com a leveza das mãos preparo-me para o que vem – já não as ambiciono delicadas, entendo a rugosa pele que as cobre. Escolhi tardiamente construir o caminho sereno da vida. Talvez porque só agora o extremo do meu olhar o permite. E bem sei que num futuro mais além corrigirei as opções de hoje. É por isso que é preferível serem os passos a traçar o caminho que o caminho a desafiar os passos. Aprendi-o com a dureza das perdas de uma vida, errante como um cavaleiro nocturno vagueando nas brumas.

Não tenho o direito de menosprezar a vida. Aprendi, desde muito pequeno, a respeitar e cuidar desse valor sublime. Moldaram-me na forma de princípios e valores que são muitas vezes os meus maiores adversários. Que confundem os outros e me castram. Que me fazem sentir hipócrita quando os ignoro.

Sou um ser reflexivo: penso e repenso, e gosto da clarificação das coisas. Não construo – ou pretendo não construir – situações sombrias, pelo contrário. Penso no lugar dos outros antes de decidir sobre eles, penso na razoabilidade das coisas, reflicto sobre o espaço temporal em que tudo se desenvolve… e decido! E antes uma má decisão que decisão nenhuma, já me dizia o meu pai…

Se fizer as contas à vida é fácil somar mais dias de felicidade que dias de infelicidade. Mas se pesar uma coisa e outra obtenho um resultado amargo. Dizem que nos recordamos com maior facilidade das coisas más. É verdade. São essas que nos pesam a memória – pelo insucesso, pela inoportunidade, pelo infortúnio, pelas consequências – como se fossem uma âncora que de tempos a tempos nos fundeasse em alto mar.

Ajusto-me nos finais de tarde, como todas as coisas se ajustam a seu tempo. Sigo o instinto animal do recolhimento e deixo-me ficar numa casa que me enlaça e me surpreende com coisas novas a cada dia. Dou por mim fixado no sorriso ingénuo e distraído de quem amo. E é o suficiente para querer continuar a viver. E há meses que me entreguei ao sentimento insuspeito de ver uma barriga materna a crescer. E parte de mim revigora-se noutra vida. Temo por ela. Temo pela fragilidade dos dias… e isso, incompreensivelmente, faz-me mais forte, mais determinado, mais ousado, menos caprichoso. A cada dia perco o orgulho fútil. E talvez me faça melhor no tempo certo.

Continua…

23 de outubro de 2008

CHÁ E TORRADAS

Tenho-me fixado nos dias. Os de ontem e os de hoje. Porque quero os de amanhã diferentes e melhores. Nada mais desejo que outro comum mortal não queira também: melhorar a cada dia, ser melhor em cada fase da vida. E nessa fase, e nesses dias do amanhã, quero ser melhor, maior e capaz.

Fixo-me nos dias, no tempo que passa ligeiro enquanto as folhas se desprendem das árvores e as desnudam – sem que demos conta – nos pássaros que esvoaçam na noite fria intimidados pelo voo predador da coruja. Nas horas que encurtam os dias. Nas horas que prolongam o frio negro da noite.

Na madrugada passada a lua sorriu. De soslaio por entre estrelas e véus de neblina. E também tenho fixado as noites no meu olhar, como se fossem um alvo e os meus desejos setas afiadas. Gosto da noite e já sentia saudades do seu frio. Daquele frio que nos acomoda em casa, abrigados nos braços do afecto.

Os dias dão-me que pensar. Não me desprendo do passado com facilidade e cada vez recorro mais às memórias, como trunfos, como armas de defesa. E das memórias recolho os ensinamentos que me obrigam a reflectir sobre as coisas. Travam-me impulsos e caprichos. Prendem-me à terra quando ouso querer voar…

Muitas vezes me acomodei no silêncio das coisas. Preferi fingir-me de morto como se fosse um animal a embustear os seus predadores. E noutras evoquei o direito a falar enquanto alguns desejaram emudecer-me. Numas vezes acertei e noutras precipitei-me. Em outras ainda não sei o resultado. E talvez não venha a saber. Ou não queira ter conhecimento. Escuto os silêncios. Especulo sobre eles. Por defeito. Por vicio de forma. Dos silêncios tenho uma noção de inteligência, mas nunca comparável ás palavras; aos sons perceptíveis; às frases com sentido, profundas e racionais.

Ainda existem os que julgam saber mais de mim do que eu. Os que ousam desafiar-me como se fosse um adversário de mim próprio. Enganos e decepções de dias cinzentos. Dias crus e feridos que fazem a vida de outros. Por mim, vá que não vá, bastam os dias que ocupo fixando-me nos dias e nas noites. Nas figuras que crescem, nos olhares que se transformam, nos cuidados que pesam os corpos de cada ser humano. Bastaria preocupação pelo bem-estar dos outros e compreenderíamos muito mais da vida do que dela levaremos quando o mais certo dia chegar.

E ainda há aqueles que pensam como eu penso porque querem chegar a mim. Por norma são comodistas. Acomodam-se nas opiniões dos outros, repetem o sim como se fosse uma condição. Mais enganos e decepções. Dias feridos e crus na vida de outros. Prefiro as manhas frescas e azuis que rasgam o Inverno, ou as trovoadas severas que inundam as tardes estivais. Chegaria julgarmo-nos diferentes uns dos outros para criar laços e fortificá-los com a robustez de montanhas.

Mas ainda há os que não querem saber o que julgo. Os que decidem ignorar-me como se fosse apenas uma partícula de ar incapaz de criar uma ténue brisa. Esses são os toscos. Reprimem o medo das mentes livres fingindo a sua inexistência. E um dia quando se lhes impuser falar, ou pensar, ou construir, confrontar-se-ão com a aridez. Um vazio de silêncios. Se soubessem que existo oferecia-lhes chá e torradas. Para as conversas em roda.

CONTINUA… brevemente.

22 de outubro de 2008

Frescura e cores

Apeteceu-me refrescar o ambiente. Copiar o azul celeste do céu primaveril. Vincar o vermelho do sangue que nos une à vida... e a multiplica. Raiar o sol na efemeridade de um crepusculo. E ainda o negro... o negro da sombra e da solidão, o negro da noite que me conduz aos sentimentos, e se ilumina no branco do luar. Tanto apeteceu que não me dei conta de querer contrariar a vontade.
Estão a chegar novos dias. Um novo futuro. E quero-os frescos e renovados.

18 de outubro de 2008

Vigilia

Cresce a ansiedade. As noites passo-as na espera de um momento. O tempo certo chega lentamente, e eu aguardo. Tu aguardas. Aguardamos enquanto distraímos a agitação dos nossos corações. Agora pesam as dúvidas sobre o género. E no segredo um do outro ansiamos pelo primeiro encontro: os gestos; os olhares; as expressões que desejamos conhecer com prontidão.

Está quase. Quase… E no fundo que importa o género? De que serve sofrer por antecipação, se esse sofrimento retirar o brilho de um acontecimento único?

Aguardemos. Ainda que ansiosos. Aguardemos pelo tempo certo.

Lugares

quantos lugares me encantam
só porque neles sinto a tua presença?

e ao encanto junto a madrugada de afectos
em que nos enlaçamos com a paixão.

1 de outubro de 2008

Carta de Outono

Confundo-te com a árvore forte e crescida que se enraizou funda na terra. Penso em ti, todos os dias, como se fosses o infinito prazer da vida que me enlaça e enebria.
Tenho-te no meu corpo a correr nas veias como o sangue impoluto e vermelho. És em cada particula - por mais infíma que seja - o sentido agitado do tempo que me acompanha a vida.
É de ti que falo aos outros quando profiro a palavra Amor. É o teu nome que ecoa no silêncio cavado da utopia, nas atrições que sussurro às estrelas, noite após noite.
Passam os dias e o meu amor por ti renova-se e cresce para ser cada vez maior e mais puro.