21 de agosto de 2009

Antes de ti

antes de ti desconhecia o amor
as palavras vazias ocupavam os espaços dos sentidos
como se fossem uma constelação de estrelas sobre o deserto
as mãos caídas em redor do meu corpo
eram inúteis e frágeis como a esperança do incerto
antes de ti o sabor dos meus lábios eram áridos cerros
que ignoravam a frescura da paixão.

antes de ti nada ou quase nada existia. nem eu.
e temo regressar ao estádio etéreo que a tua ausência provoca.

5 de agosto de 2009

Poema sobre qualquer coisa mais

Inebriam-me os olhares leves e discretos que escondem a planície e esse sorriso que inunda os desertos onde brotam rosas vermelhas, encarnadas, da cor do sangue, no tom aceso da paixão. Encantam-me as tuas formas adolescentes que rasgam os campos como beijos. E cada aperto do meu coração se ergue como desejos, desejo de ti, da tua boca, da tua pele. Espero-te. Aguardo um novo olhar, um abraço que nos enlace como se fosse esperança e qualquer coisa mais.

27 de maio de 2009

Perpetuação do amor

tantas vezes sonho com o teu corpo deitado sobre aquela planura
que o tempo eternizou em suaves relevos
tantas vezes o meu olhar se perde no caminho do horizonte
guardando-te como fundos segredos
e a força do nosso amor reinventa-se na nostalgia e na loucura
tantas vezes o meu ser se eleva na busca delirante
do aroma fresco e doce do teu corpo
e de cada vez reencontro as razões para te amar
as tuas mãos enlaçadas nas minhas como raízes
e os dois perpetuamente inseparáveis
como o céu e a terra das utopias felizes

25 de maio de 2009

O que é bom nunca é demais


Já falei sobre o que penso deste blogue. E para os mais desconfiados e especuladores haverá sempre razão para não entenderem as verdadeiras razões do que escrevo e porque o escrevo. Mas também por isto se torna um blogue especial.

Há blogues muito bons na nossa terra mas nenhum como este. Existem estilos diferentes, e até mais apurados, mas o seu estilo é o que o destingue. Há outros interesses acima deste blogue mas o que torna este blogue interessante é não ser conivente com interesses. Há quem goste tanto desta terra como o seu editor mas o que faz deste editor uma personalidade regional não é apenas a estética mas também a perspicácia, a pertinência e uma grande dose de persistência.

Haverá por aí quem não goste deste blogue. E ainda bem que há. Porque este blogue tem uma característica esclusiva dos projectos marcantes: ou se ama ou se odeia. E sabemos bem que os que odeiam têm boas razões para o fazer: são as diferenças, ou melhor, a dificuldade em conviver com as diferenças.
Parabéns João pelo 6º Aniversário. Já não é hora de questionar, agora é ir em frente!


23 de maio de 2009

Poema sobre Beja III

caminhamos serenamente pelas ruas molhadas. a cidade fugiu da confusão. e os rostos que restam na tarde escondem a mágoa da desesperança. eu, tu e os outros somos cores esbatidas de uma cidade que se desenha a preto e branco. entre as ruelas irregulares e os casarios altos que se erguem inclinados os passos leves de uma caminhada surgem como se fossem gotas de água. e o desespero de uma taciturna fé toma conta de nós. sem aves no céu negro e frio a cidade resigna-se ao lugar passivo de maio. outrora, lembro-me bem, as ruas palpitavam com os corações. mas isso era no tempo em que as espigas cobriam os campos e pela aurora as papoilas acordavam a cidade. amanhã é outro dia, dizem-nos com a intenção de nos fazer ver. resta-nos o tempo: o de ontem, o de hoje e o de amanhã que temos de querer antes que os passos sequem.

19 de maio de 2009

Numa manhã assim

a manhã faz-se breve
como a ponta do teu olhar
assim fosse leve
o sentido de amar

os rios correm lentos
na demorada primavera
as searas tardam nos rebentos
quando o luar não espera

as tuas mãos apertam-me o desejo
trasparente como o teu sorriso
onde as estrelas despertam um beijo
na forma louca de um riso

escuto o cante fundo das searas
na manhã breve como o teu olhar
como sempre me desejaras
com a vontade limpa de te amar

14 de maio de 2009

Poema triste ao fim da tarde*

Já não usamos as palavras. Todas as tardes damos as mãos num aperto lasso, sob o cante taciturno das aves. Esgotamos os segredos num diálogo de silêncios. E crescemos a cada passo como dois velhos amantes, antigos guerreiros do amor, puros e eternos como diamantes. Desfazemo-nos, em demoradas promessas de dor, como se sôfrega se abatesse a esperança. E pela cidade percorremos as sombras fugindo do sol escaldante. Dividimos as ruas em metades feias e frias e cerramos as praças com os olhares perdidos. Já não usamos as palavras apenas as mãos dadas declaram os dias.
* Completamente fora de contexto, felizmente.

11 de maio de 2009

Poema em Ourique

daqui o meu olhar percorre os cerros que se enlaçam na planície branca
como os teus lábios saboreiam as sombras frescas do montado
e os nossos corpos se dão um ao outro nos vales acidentados

espero por ti desejo um olhar teu que me entenda a alma
e a tua mão de novo a percorrer a minha pele trigueira
onde sol se encosta de vez em quando

outrora corpos mais agrestes lançaram nestes campos
sangue e vida e glória e um pedaço de liberdade e de povo maior
que agora nos acolhe como a enamorados poetas cujas musas se perdem no amor

e tu minha musa figura acesa que me conduz à esperança
corpo de terra fértil onde semeio cada pedaço de mim
levas daqui o meu olhar e as metáforas e o peito aberto
como o campo branco que me enlaça

6 de maio de 2009

ideia solta

talvez o amanhã me espere como eu aguardo com esperança um mar verde denso e vasto onde o olhar se perca. talvez a utopia que me quer leve daqui um companheiro fausto.

3 de maio de 2009

Poema incompleto ao meu filho

Desejo-te as manhãs claras
O céu limpo e azul como os teus olhos
E a coragem das multidões que se unem como muralhas
Tantas vezes adormeço na implacável certeza
De que os teus olhos brilham mais que os meus
De que o teu corpo cresce no sentido oposto ao meu
Desafiando a vida num punhado de sorte
E repouso as preocupações por te saber mais forte
Por te reconhecer maior firmeza

E quando as noites caírem em surdina
Desejo-te o luar branco
Feito de fantasia e purpurina
A abrigar o teu dorso franco

24 de abril de 2009

Liberdade

Desejo um dia destes poder, ser capaz, de te escrever um poema. E entoar o teu nome em sílabas lentas: LI – BER – DA – DE! Gritá-lo nas ruas de cada cidade e gravar cada letra nas terras húmidas e férteis onde os homens e as mulheres colhem os pães. E de seguida morrer, como morrem todos os homens que te buscam e que te querem, enquanto sofro na cerimónia da espera. E depois virão os outros, os que não me conhecem, os que te desdenham, fazer troça de um poema e destruir a quimera. Mas o poema resistirá! Será meu e teu como o tempo de uma vida eterna.

O teu rosto

Numa destas manhãs o teu rosto levantou-se como a claridade do dia. E o teu olhar acolheu-me no leito que a madrugada contrariou. O amor tinha a forma dos nossos corpos, suados e extasiados de paixão. Lembro-me das minhas mãos tão pequenas a percorrer a tua pele sedosa enquanto ofegavas, recordo cada suspiro de prazer, cada gota transformada num grito. Deixamo-nos ficar até à tarde, como fazíamos antigamente quando o tempo era nosso e o amor nos saía pelos olhos. Fomos ficando abraçados num aperto de saudade como se um nó nos tivesse prendido um ao outro. Numa destas manhãs o teu rosto transformou-se naquele dia, e no dia seguinte, e no dia de hoje, e no dia de amanhã, até onde a memória o quiser levar.

19 de abril de 2009

Um corpo na madrugada

antes a madrugada tinha cheiro
e a forma contornável do teu corpo
as estrelas gritavam liberdade
sob os campos negros de janeiro

agora a madrugada tem a saudade
de um tempo que se gasta
como se a liberdade não tivesse
a força suficiente para dizer basta

a madrugada de amanhã desconhece
os aromas e os sons amordaçados
e o teu corpo de novo oprimido
afunda-se nos desejos cansados

18 de abril de 2009

O tempo

o tempo passa
e já não me esperas

o meu desespero adormece
nas horas devassas

no olhar mendigam lembranças
de um tempo que nos esquece

o tempo pára
no silêncio
nas palavras
nos gritos

e tudo morre em definitivo
no lugar da tua inexistência

18 de março de 2009

Pensamentos

Ontem à noite estava sentado num largo esvaziado pela madrugada, numa pequena vila costeira. À minha volta ouvia risos e gargalhadas. Conversas fúteis e disparatadas. Mas os meus pensamentos eram como o largo da vila: amplos e abertos, ligados ao mundo por duas estradas alinhadas por árvores e iluminação religioso-profana. Tenho a sensação que quiseram falar comigo, que me quiseram provocar com a circunstância das conversas. Não lhes respondi. Preferi o silêncio dos meus pensamentos, a tranquilidade do teu rosto junto à fonte iluminada que jorrava água. O meu telemóvel tocou. Já era tarde para esperar algum telefonema ou mensagem. Desinteressadamente retirei-o do bolso e surpreendi-me com as tuas palavras. Os meus olhos brilharam. Brilharam tanto que se apagou o encanto da fonte no centro do largo.

4 de março de 2009

Os dias do futuro (trechos)

A noite é como um berço que me acolhe, e por vezes é a madrugada que me agita. À noite pareço diferente. Sinto que o sou. Talvez a tranquilidade do céu, o silêncio das ruas, talvez a serenidade do meu espírito. À noite sou diferente. Sei que o sou. E à noite os pensamentos correm dentro de mim como se fossem rios em direcção ao mar. Deixo-os ir livres e divagantes.
Houve noites em que preferia não pensar. Ficava em casa aninhado nos lençóis, enfeitiçado por livros e séries televisivas. Deixava-me estar quieto, fingindo-me de morto. Queria que os outros acreditassem que já não existia. Queria acreditar que já não existia.
Houve dias em que o meu corpo vagueava como um vagabundo pelas ruas. Que se paralisava nas mesas dos cafés. Que se fingia vivo para não faltar aos outros. Nesses dias deixei-me ir, fiz o percurso do sol entre o nascente e o poente e só parava para o crepúsculo. Para o ocaso, não se desse o caso de voltar a acreditar.
E houve uma noite, digo noite porque já não sei e nestas coisas não se sabe o momento exacto, ou se quiseres um dia, em que ao olhar-te de longe admirava os teus gestos, as tuas expressões. E nessa noite, ou dia se preferires, aproximei-me de ti. Queria escutar a tua voz. Ouvir o que tinhas para dizer. Não a mim em particular. Bastava ouvir-te. E quando a tua voz em tom sereno e doce saiu do silêncio observador que até então te caracterizava se desenrolou em ideias e imagens claras de uma mulher diferente de todas as outras, percebi que o meu corpo tinha reencontrado uma razão para acreditar novamente.
E lá estavas: Finalmente um novo dia!
E desde então, seja noite ou seja dia, os meus pensamentos são puros e livres e alimentam o meu corpo em cada suspiro com tudo o que me trazes à vida.

Um dia, se esse dia chegar, e me quiseres tanto como te quero, e olhares para mim com o definitivo olhar do amor sentirei o mundo na palma da minha mão. E nesse dia, se esse dia chegar, serei poeta, profeta, vate, serei tudo o que o homem mais livre de todos poderá desejar.
Mas nos dias do presente, os do entretanto, voo no sentido da presa. Quero conquistar-te. Quero ter-te. Quero que sejas minha. E nos dias e nas noites que me trouxeste de volta à vida, vieram as minhas forças reforçadas e todas elas se ocupam de ti.

27 de fevereiro de 2009

A espera

O teu sorriso tarda em chegar. Aguardo com ansiosa paixão o nosso reencontro. Os abraços apertados como as mãos cerradas. Os beijos longos e apaixonados como as noites descansadas. Espero por ti. Já estou só nesta espera, o sol foge pela tarde. Os pássaros recolhem-se mais cedo que o costume. E eu recolho-me nesta amarga ansiedade. Quero rever-te! Quero olhar o teu rosto delicado, perfeito e irrepreensível. Quero sentir o pulsar do teu corpo a desejar o meu. Perder-me na loucura de um romance que me ultrapassa. Quero ter-te! E aguardo… iludindo o meu coração a cada segundo que passa.

26 de fevereiro de 2009

Que madrugada?...

que madrugada é esta que nos afasta?
são de silêncio as paredes que me apertam
numa noite de solidão usada e gasta
que palavras são essas que não se escutam?
são como montanhas que nos afastam.

que silêncio e mágoa se apoderam de nós?
somos um mar mudo e distante,
aves que voam alto e em voo veloz
nos sentidos opostos de um amor desesperante.

14 de fevereiro de 2009

Olhar brando

Levo o olhar brando de uma planície

Na memória tranquila do nosso afecto,

O som das aves anunciando Abril

Dita as profecias de uma paixão em que desperto.

Carrego nos braços um desejo intenso de mar

Como o aroma frio da maresia ao respirar.

O teu corpo acolhe o meu, tal qual as ondas se apertam,

Tal qual os beijos que se dão na áspera madrugada;

As mãos dadas são vestígios que nos acertam

E o areal, chão efémero da nossa caminhada.

Dia dos namorados



Hoje será dia de poucas palavras.

Mais acção.

Abraços e beijos, sorrisos e olhares inflamados de paixão.

10 de fevereiro de 2009

Hoje percebi no teu corpo...

hoje percebi no teu corpo o desejo da paixão
segui com os meus olhos cada passo do teu olhar
como se seguem as nuvens numa noite de ilusão
elevei no ar cansado das planícies o teu cheiro
assim fosses a primavera que anseiam abraçar
entendi nas tuas mãos os gestos puros do amor
que me apertavam como apertado vive o meu coração
infantil e louco desesperado por sentir o teu fervor

levei-te numa viagem longa sobre o planalto
tal qual antigamente quando nos dávamos em sobressalto
nas bermas das estradas, sob os pontões escuros
ou acomodados nas sombras das árvores
e uma outra vez emparedados entre muros

enquanto percorria a estrada larga e recta
percebi as saudades da paixão que me afecta
levei o meu corpo ao encontro do teu fresco e doce
antes que o tempo me levasse para onde não fosse
o meu desejo a minha vontade de te ter outro dia com prazer
tal qual te prometi: para sempre enquanto o sangue me percorrer

8 de fevereiro de 2009

Outros dias

Foto: Aqui


Ao meio-dia e meia hora entrou no restaurante como combinado. O chefe de sala, reconhecendo-o, dirigiu-se até si e cumprimentou-o com distinção. Pediu uma mesa para dois e foi até ao bar enquanto esperava por ela. Aguardou quase quinze minutos no bar até que chegou a sua companhia. Cumprimentaram-se educadamente com um beijo na face e dirigiram-se à mesa acompanhados pelo chefe de sala. Enquanto liam a lista das refeições ela interpelou-o secamente: “Que fique claro que o que defendo é uma partilha justa. E o que interessa é que sejamos práticos a resolver as coisas. Quero seguir em frente e não ter olhar para trás.” Disse, apanhando-o de surpresa. “ Espero que estejas bem, isso parece-me também importante. Quanto ao resto julgo que somos suficientemente inteligentes para fazer as coisas com bom senso. E é por isso que aqui estamos. Certo?” Retorquiu, com um tom calmo e pausado. “Certo. É para isso que aqui estamos. E estou mais ou menos. Desculpa esta pressão.” Respondeu-lhe consciente de uma abordagem agressiva.

Há três semanas que não se viam. A última vez que estiveram juntos foi no apartamento comum no dia em se decidiram ao divórcio. Ele saiu de casa com umas malas de roupa e foi viver para um hotel na zona das avenidas novas. Desde então deram um ao outro espaço para digerirem a situação e acalmar os ânimos. Nestas coisas, mesmo que as pessoas entendam as razões dos afastamentos, os efeitos de uma separação são sempre motivo de algumas amarguras e de um sentimento de falha. Na véspera ela ligou-lhe para o telemóvel já ao fim do dia a convidá-lo para almoçarem juntos e conversarem sobre as “coisas pendentes”. Acedeu prontamente, combinando com o seu consentimento o almoço para o dia seguinte no restaurante que frequentavam desde os tempos de namoro.

A conversa fluía naturalmente sem sequer tocarem nas razões que os conduziram à decisão de se divorciarem. Os bens a partilhar eram alguns de mas de fácil resolução. Não sendo um casal rico tinham algumas posses: um apartamento em Lisboa e um outro no Algarve, em Lagos, dois carros, uma conta comum e uns quadros que ela coleccionava com estima e sacrifício. A mulher trouxe para o almoço um plano de divisão que entretanto elaborara com a ajuda de uma amiga advogada. No fim da refeição entregou-lhe uma cópia e pediu-lhe que reflectisse sobre a proposta: vender a casa de férias, um carro para cada, ela ficava com os quadros e um dos dois compraria a casa de Lisboa ao outro, com um acerto de contas justo. Respondeu-lhe que iria ler o documento com atenção e que lhe daria uma resposta prontamente. “Parece-me uma proposta justa, mas vou ler com atenção e resolveremos tudo com a maior brevidade. Queres que trate do processo de oficialização do divórcio?” Perguntou disponibilizando os seus conhecimentos de advogado. “Prefiro que seja a Luísa a fazê-lo. Quanto menos nos envolvermos melhor.” Respondeu. “Pois bem, que seja. Por mim tudo bem. Ela que me ligue e dou-lhe os elementos que precisar.” O almoço aproximava-se do fim e o ambiente mais descontraído permitiu a troca de alguns sorrisos e a cumplicidade entre ambos. A mulher falava descontraidamente sobre as suas últimas semanas. E o seu sorriso abria-se com o passar dos minutos. O homem, com as duas mãos sobre o pano branco da mesa ouvia-a atentamente e retribuía-lhe com igual sorriso. Por instantes pareceu divagar com um olhar brilhante e risonho. “O que se passa? Não estás aqui?!”. “Estou aqui sim. Estou a admirar-te… às vezes fazes-me lembrar a mulher por quem me apaixonei.” Respondeu-lhe com um tom meigo e romântico. Ela sorriu emocionada e estendeu a sua mão até à dele, apertando-a com vigor. “ Às vezes…” reafirmou-lhe ele com a certeza de quem não acredita em regressos.


4 de fevereiro de 2009

Vento Suão

O vento suão corre raso e de bafo quente. Aperta-nos o corpo dificultando a respiração. Prende-nos os passos na terra seca, árida como a esperança de quem perdeu a força para caminhar. O vento suão nasce na terra dos desertos, em tempestades de areia que escondem as casas baixas e desabrigadas. Que mancham de pó as vestes leves dos magrebinos. E depois, passa o estreito, toma goles de água salgada pelo caminho e vem morrer nos nossos corpos cansados e agastados. Um bafo seco, quente e asfixiante leva as nossas figuras ao chão. Sem forças, lentamente. E no sufoco desejamos uma brisa... uma corrente de ar fresco que nos renove o vigor.

25 de janeiro de 2009

Névoa

Aguardo a noite
espero pela névoa clássica
que enreda as árvores
como se fosse o manto do desejo

22 de janeiro de 2009

As tuas palavras

amanhã farei das palavras amor
e se ainda me restarem forças
farei do amor o som das palavras
amanhã farei tudo para que me ouças
rasgarei o céu incendiarei os astros
e se for urgente morrerei a sangue frio
como um amante conveniente
amanhã desenharei poemas faustos
com promessas de amor e um desejo sombrio
farei das palavras amor
e se o ar me exceder farei do amor o som das tuas palavras

15 de janeiro de 2009

Poema Insuficiente à Mãe do meu Filho



Levas no peito, a cada instante, o alimento mais impoluto. Acendes no teu olhar cansado fulgores de esperança. Seguras nas mãos pétalas frescas de confiança. E sobre o teu colo versam os gestos primários de uma criança. E tantas vezes te sinto perdida no meio de tanta coragem. E tantas vezes sou insuficiente para te acudir. E tantas vezes me reconstruo na tua imagem. A natureza fez dos homens impotentes. Incapazes de partilhar o brilho natural do encanto maternal. Rudes e insensíveis crentes. Agitadores do património paternal. Oh, meu amor! Mulher de rosto descansado, de colo reconfortante, corpo duro e apertado, alma vertical onde a vida se prolonga, deixa-me ser como tu, deixa-me ir por onde vais, como vais, na noite que se alonga. Leva-me no encanto do teu olhar, por onde vais. Dá-me o ensejo dos pressentimentos; usa-me como não se usam os pais. Eu vou: por ti, por ele, por mim… pelos teus merecimentos.

13 de janeiro de 2009

Palavras. Promessas.

Palavras.
Palavras.
Palavras.
E gestos ornamentados com palavras.
Felicidade ou tristeza:
Palavras.
Sempre as palavras.
Palavras incertas.
Palavras concerteza!
Verbo indiscretos,
Promessas. Promessas.

7 de janeiro de 2009

A Reinventar Mariana Alcoforado

Que ingenuidade a minha julgar-te capaz de amar. Oh, que perdição! Que ousadia pensar em desmanchar a dureza dos teus sentimentos; a indiferença dos teus gestos; a amargura de uma distancia que teimas em sustentar. Noutros tempos acreditei, com mil paixões, em cada palavra que pronunciavas. No começo, quando a ingenuidade se confundia com o ardor do desejo por ti, desenhava no céu estrelado o teu nome; escrevia-o com as estrelas, repetidamente. Ah, que ruína a minha! Quanta desgraça me abandonou às horas de solidão e de sofrimento? Quanta amargura me sustenta nas noites frias de desprezo e de indiferença? Palavras sobre palavras, dizes! E os sentimentos não os conheces, porque estranhas os afectos, sobretudo os meus, que recusas severamente. Oh que ingenuidade! Que perdição! Tanto arrependimento me contradiz na vontade de te amar ainda mais! Que traição!...

Jorge Barnabé

1 de janeiro de 2009

Primeiras horas

as primeiras horas
surgem como o brotar de uma flor:
lentas e frescas como o beijo com que me devoras,
húmidas, como o desejo excitante do amor;
loucas, desvairadas primeiras horas
perfumadas com fina monocasta;
ternas, meigas primeiras horas
em que tudo é tudo e tudo já não basta...