8 de fevereiro de 2009

Outros dias

Foto: Aqui


Ao meio-dia e meia hora entrou no restaurante como combinado. O chefe de sala, reconhecendo-o, dirigiu-se até si e cumprimentou-o com distinção. Pediu uma mesa para dois e foi até ao bar enquanto esperava por ela. Aguardou quase quinze minutos no bar até que chegou a sua companhia. Cumprimentaram-se educadamente com um beijo na face e dirigiram-se à mesa acompanhados pelo chefe de sala. Enquanto liam a lista das refeições ela interpelou-o secamente: “Que fique claro que o que defendo é uma partilha justa. E o que interessa é que sejamos práticos a resolver as coisas. Quero seguir em frente e não ter olhar para trás.” Disse, apanhando-o de surpresa. “ Espero que estejas bem, isso parece-me também importante. Quanto ao resto julgo que somos suficientemente inteligentes para fazer as coisas com bom senso. E é por isso que aqui estamos. Certo?” Retorquiu, com um tom calmo e pausado. “Certo. É para isso que aqui estamos. E estou mais ou menos. Desculpa esta pressão.” Respondeu-lhe consciente de uma abordagem agressiva.

Há três semanas que não se viam. A última vez que estiveram juntos foi no apartamento comum no dia em se decidiram ao divórcio. Ele saiu de casa com umas malas de roupa e foi viver para um hotel na zona das avenidas novas. Desde então deram um ao outro espaço para digerirem a situação e acalmar os ânimos. Nestas coisas, mesmo que as pessoas entendam as razões dos afastamentos, os efeitos de uma separação são sempre motivo de algumas amarguras e de um sentimento de falha. Na véspera ela ligou-lhe para o telemóvel já ao fim do dia a convidá-lo para almoçarem juntos e conversarem sobre as “coisas pendentes”. Acedeu prontamente, combinando com o seu consentimento o almoço para o dia seguinte no restaurante que frequentavam desde os tempos de namoro.

A conversa fluía naturalmente sem sequer tocarem nas razões que os conduziram à decisão de se divorciarem. Os bens a partilhar eram alguns de mas de fácil resolução. Não sendo um casal rico tinham algumas posses: um apartamento em Lisboa e um outro no Algarve, em Lagos, dois carros, uma conta comum e uns quadros que ela coleccionava com estima e sacrifício. A mulher trouxe para o almoço um plano de divisão que entretanto elaborara com a ajuda de uma amiga advogada. No fim da refeição entregou-lhe uma cópia e pediu-lhe que reflectisse sobre a proposta: vender a casa de férias, um carro para cada, ela ficava com os quadros e um dos dois compraria a casa de Lisboa ao outro, com um acerto de contas justo. Respondeu-lhe que iria ler o documento com atenção e que lhe daria uma resposta prontamente. “Parece-me uma proposta justa, mas vou ler com atenção e resolveremos tudo com a maior brevidade. Queres que trate do processo de oficialização do divórcio?” Perguntou disponibilizando os seus conhecimentos de advogado. “Prefiro que seja a Luísa a fazê-lo. Quanto menos nos envolvermos melhor.” Respondeu. “Pois bem, que seja. Por mim tudo bem. Ela que me ligue e dou-lhe os elementos que precisar.” O almoço aproximava-se do fim e o ambiente mais descontraído permitiu a troca de alguns sorrisos e a cumplicidade entre ambos. A mulher falava descontraidamente sobre as suas últimas semanas. E o seu sorriso abria-se com o passar dos minutos. O homem, com as duas mãos sobre o pano branco da mesa ouvia-a atentamente e retribuía-lhe com igual sorriso. Por instantes pareceu divagar com um olhar brilhante e risonho. “O que se passa? Não estás aqui?!”. “Estou aqui sim. Estou a admirar-te… às vezes fazes-me lembrar a mulher por quem me apaixonei.” Respondeu-lhe com um tom meigo e romântico. Ela sorriu emocionada e estendeu a sua mão até à dele, apertando-a com vigor. “ Às vezes…” reafirmou-lhe ele com a certeza de quem não acredita em regressos.


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